sábado, 22 de setembro de 2007

Infecção na Basicula

Meia hora de conversa com a D. Constância e fico a par das novidades da aldeia.; Invariavelmente, a par de um raro nascimento ou divórcio, as principais novidades prendem-se com o estado de saúde dos meus conterrâneos. Este sofre de câncer nos palmões, aquele de pedra nos rinzes, outro tem a prosta avançada, ursas no estômago são às dúzias. A aldeia inteira sofre de rumático e de problemas na espinha. Nesta última estadia, o caso mais dramático foi o do Quim que apanhou uma infecção na basicula, e esteve quase a bater a bota.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

8 dias a reda cu

Ou em marcha atrás, para quem não perceber as subtilezas da terminologia alto-minhota.

Domingo, 16 de Setembro 2007, dia de cozido.
A receita:
Ingredientes para ??? pessoas : 300g de carne vaca, 1 chouriço salpicão caseiro, 1 quarto de frango, 300g de presunto caseiro, 300g de costela, 300g de toucinho entremeado; uma mão de porco; 1 repolho, 4 cenouras, 6 batatas, 250g de feijão verde. Uma tigela de arroz.
Confecção:
Leva-se uma panela (grande) meia de agua ao lume. Quando a agua ferver, botam-se dentro as carnes. Deixa-se cozer as mesmas o tempo necessário (no meu caso, o tempo de ir comprar o jornal à farmácia, ler as noticiais principais e tomar dois cafés no Vaz). Retiram-se as carnes, e acrescenta-se duas tigelas de agua que será retirada para levar o arroz ao forno. Quando ferver de novo, retira-se a água para o arroz, e mergulham-se os legumes. Deixa-se cozer. Numa assadeira de barro, onde previamente se deitou a água, dissolve-se uma colher de cha de açafrão, junta-se o arroz e leva-se ao forno.
Quando os legumes estiverem cozidos, (no meu caso, o tempo de beber três copos de Alvarinho pingo doce vinificado pelo Anselmo Mendes – não vale nada, diga-se de passagem- de pôr a mesa e colocar uma garrafa de tinto caseiro a refrescar) colocam-se as carnes dentro da panela para aquecerem. Retiram-se e cortam-se as carnes, colocando-as numa travessa; noutra travessa, colocam-se os legumes; Retira-se o arroz do forno e coloca-se tudo na mesa.
Serve-se os convivas, neste caso dois, eu e o meu pai, pois a minha mãe quase que ainda não come, saída do hospital à 4 dias. Acompanha-se com a garrafa de tinto de litro, uma mistura de “qualidades” e uns resquícios de jacquez.
Consequências:
As seis da tarde , depois de 2 cafés, 1 whisky velho e três garrafas de água das pedras no Freak’s Bar, parece que a mão de porco ainda anda aos chutos no presunto dentro do estômago.

Sábado, 15 de Setembro 2007

Um calor de rachar, S. Pedro está a ficar chalado, confunde os meses; Um calor destes, quando o santo ainda atinava, era em meados de Julho ou princípios de Agosto. Almocei bem ( massa com feijão, chouriço, carne de vaca e toucinho entremeado, tudo regado com uma tigela de quartilho). Estou sentado debaixo do limoeiro, corre uma ligeira brisa que ameniza a temperatura, e releio o jornal do dia. Resvalo para uma ligeira sonolência, leio um título aqui, duas linhas acolá, passo um quarto de hora em cada página. Não longe de mim, um gato a espiar-me, como eu, meio acordado, meio a dormir. De repente, acordo-me a mim e ao gato, com dois peidos valentes (esqueci-me de dizer que comi mais feijão do que massa), que quase fizeram com que me caisse um limão em cima da testa. Chega de calaceirice, digo-me a mim mesmo. Toca a fazer algo. E foi ai que me disse, agora que pus o meu blog no ar, tenho de o alimentar. E começo a tomar notas mentais sobre a actualidade, a ver se arranjo algo sobre que escrever.

O sopapo de Filipão ocupa duas páginas no DN; Jornalistas, colunistas, analistas e políticos opinam, analisam, julgam o sopapo de Filipão. Uns condenam, outros desculpam, todos comentam. Quanto a mim, digo aleluia, depois de cinco anos sem fazer nada e a ganhar milhões, até que enfim que faz alguma coisa de jeito. Estou convencido que o sopapo de seu Luis Filipe , fez falar mais da selecção portuguesa e de Portugal na Europa do que o quarto lugar no último mundial. Força, seu Luís, isto é mata mata, se não vai a chuto no couro esférico, vai a murro no focinho!

Sexta-Feira, dia 14 de Setembro 2007

Fui almoçar aos Arcos de Valdevez. Esta Vila do Alto Minho, de que sempre gostei, tem tido uma evolução digna de louvar. Asseada, com uma marginal do Vez bem ordenada e convidativa, o centro restaurado, respira-se ar puro e come-se bem. Mesmo o parcómetro avariado me deu satisfação. Estive estacionado três horas e ninguém me multou, coisa rara nos dias de hoje.
De regresso a casa, releio o jornal; como não podia deixar de ser, o caso Maddie ocupa metade do jornal. Lamento, como todos, que uma criança tenha desaparecido e que esteja eventualmente morta. Agora, o circo mediático que se montou à volta deste caso, onde até o papa meteu o nariz, mete-me nojo. Dois médicos ingleses, que dão soníferos aos filhos para irem emborcar seis ou oito garrafas de vinho para o restaurante com os amigos, há muito que deviam estar presos. Se há povo arrogante, xenófobo, em suma nojento com a sua superioridade aristocrática, são os ingleses. Que o resto do mundo, e os portugueses em particular, lhes dê toda esta atenção, demonstra muita estupidez e submissão parola.

Quinta-Feira, dia 13 de Setembro de 2007
Li qualquer coisa sobre o negócio da saúde em Portugal, que me fez lembrar a tia Joaquina, talhadeira de peçonha e mau ar.
Com os centros de saúde a encerrarem a torto e a direito, os hospitais a reduzirem os médicos e enfermeiros ao mínimo dos mínimos, os portugueses terão que se habituar a terapias de antigamente. Dantes, existia nas aldeias, a par dos endireitas e bruxos, a figura da talhadeira. Concentravam-se patologias diversas - doenças da pele, depressões, falta de apetite, dor de corno ou icterícia – em duas definições abrangentes : peçonha ou mau ar. Para isso, recorria-se em primeiro lugar à talhadeira – o SAP dos tempos do Salazar. A receita consistia numa lenga-lenga, um misto de satanismo e catolicismo, acompanhada de gesticulação adequada que rezava assim :
- Sapo, sapão, cobra, cobrão, aranha, aranhão, lagarto, lagartão, eu te corto, eu te retalho, a cabeça e o rabo. Pela graça de Deus e da virgem Maria, um padre nosso e uma ave Maria.
Por vezes acontecia que o talhado vinha a recuperar das maleitas, confortando assim a ideia de que a talhadeira tinha verdadeiros poderes.
Para os miúdos, que na brincadeira pediam à tia Joaquina que também lhes talhasse a peçonha, esta tinha inventado uma receita a propósito:
- Se uso e pela tinhas porque não me dirias que eu ta talharia com três peidos meus, três de Mateus, três do nosso cão, e vai-te embora que já estas são.
Se a tia Joaquina vivesse hoje, a miúdos e graúdos certamente diria algo assim : se alguma doença tens, bastará dizer, talhado serás, com três peidos de Sócrates, três de Cavaco e três de Durão, vai-te embora que já estás são.
Quarta-feira, dia 12 de Setembro 2007
Inicio de mais um ano lectivo, embora em apenas algumas escolas. A abertura da totalidade deverá acontecer lá para meados de Dezembro, quando se conseguir conciliar professores, alunos e estabelecimentos.
Este ano, a novidade consistiu em termos o governo em peso a dar o tiro de partida. Primeiro ministro, ministros, secretários de estado, adjuntos dos secretários, espalharam-se pelo país. Parece que andaram a entregar computadores com Internet às escolas. Para o ano irão entregar telemoveis, depois relógios com televisão, que Portugal precisa de gente bem (in)formada e com capacidade de comunicação.
Entretanto, eu gostaria de saber a quanto monta a factura da Microsoft, TMN e outros parceiros.
Terça-Feira, 11 de Setembro 2007
Avistei a Margarida, adjunta dos padres que tem passado pela minha aldeia e eterna candidata a celebrar missa e confessar almas. Não sei porquê, recordou-me uma procissão na festa da minha aldeia na qual fui de figurado, embora não me lembre bem que santo incarnava. Ao meu lado, o Manel, dois anos mais novo do que eu; tinha-lhe calhado a figura de S. José, com um cajado numa mão e uma bola na outra. A procissão saía da Igreja da freguesia, até à capela da Senhora da Boa Nova, no cimo de um monte distante de dois Km, um dos quais de subida íngreme; Um foguete todos os 200m, cânticos alternados com silêncios e orações . A dado momento, o Manel, não podendo mais com o peso da bola na mão parou. O pai, que seguia alguns metros atrás, aproximou-se e berrou para o filho : toca a andar, rapaz ou caralho! Ao que o Manel respondeu : ai que caralho, esta merda pesa – e logo o pai : cala-te e anda filho da puta.
A Margarida, atenta à situação e conhecedora dos adjectivos e interjeições costumeiras da família, logo que se apercebeu da conversa entre pai e filho, abriu as goelas a fundo entoando vigorosamente um Ave Maria despropositado, gesticulando às colegas para a acompanharem, no intuito de abafar a discussão. Por fim, o pai lá se dispôs a carregar a bola ao rapaz, repetindo amiúde: caralho foda o rapaz, só à hóstia, ao que o Manel retorquia: ai que caralho, diga lá se a puta da bola não é pesada.
Ainda hoje, quando vejo o Sr. Alberto, este não deixa de me cumprimentar : Ai que caralho, é o Luis Manel! Viva Sr. Alberto, tudo bem? Estás fodido, rapaz, tens o caralho do cabelo todo branco!
Segunda-Feira, 10 de Setembro
Estou de regresso ao país dos doutores e engenheiros. Qualquer Anastácio ou Etelvina é doutor(a) ou engenheiro(a), só não anda com o título colado na testa porque tem medo que este lhe fuja com uma rabanada de vento norte. Normalmente, pouco habituado a títulos, esqueço-me de cumprimentar as pessoas com o respectivo prefixo de dr ou eng, o que é frequentemente mal visto. Desta vez, jurei-me colocar sempre um ou outro, e em caso de dúvida, mesmo os dois ao mesmo tempo, afim de não criar susceptibilidades. Passei o dia a treinar, e ao fim da tarde, quando cheguei a casa, encontrei o Adão. Não por mal, mas por força do treino diário, cumprimentei-o – Viva, Dr. Adão, como vai isso? Dr. o carvalho, seu filho da p…, vem para aqui insultar as pessoas. Se fosse mas é trabalhar. Só não levei duas lambadas, porque o Adão a essas horas não pode fazer movimentos bruscos, questão de equilíbrio. Mas disse-me a mim mesmo, acabaram-se os drs e engs. Até porque já dei com um Dr., gestor de empresas, a contar produtos numa grande superfície alimentar.

São duas da manhã e não consigo adormecer; com 8 sardinhas, 3 pimentos, 2 tomates e uma cebola a remexerem-se na pança, tudo regado com um litro de tinto verde caseiro, tambem não admira, me dirão vocês. Abusei, porque estou em casa sozinho, sem a minha mulher e a minha filha para me criticarem, uma devido à cebola, outra por causa do vinho, as duas pela quantidade. E como não tenho Internet e não gosto de ver televisão, tenho que passar o tempo. Nada como uma boa sardinhada, uma tigela de quartilho e para arrematar um bom livro. Lê-se mais devagar, o que até nem é mau, ao preço que os livros estão…
Domingo, 9 de Setembro 2007
Acabado de chegar a Portugal, fui almoçar com o meu pai a Valença, ao Afonso. Bacalhau à casa, para dois. Havia mais na travessa, do que nos quatro pratos de sexta feira em Lausanne. A apresentação deixava a desejar, as batatas estavam algo escuras, sinais de oleo com muito trabalho, a salada de tomate misturada com a cebolada do bacalhau, enfim um monte de esterco, gastromicamente falando. Servi o meu pai que, como os galegos das mesas vizinhas se atirou ao prato sem mais delongas. Ainda hesitei, mas, deixando de lado as mariquices de citadino e gastrónomo refinado, servi-me e comecei a comer. De apresentação estava uma lástima, mas de sabor e quantidade, deixava a léguas um dos mais refinados restaurantes de Lausanne. E, por 8 euros por pessoa, não se pode pedir a lua!

Sexta-feira, 7 de Setembro 2007-09-11
Fui almoçar a um dos restaurantes da moda em Lausanne, mais dois colegas, a convite do meu director; encomendei um dos pratos do dia, massas com frango; servidas num prato design, relativamente bem confeccionadas, mas cobrindo apenas a fundo do prato, seria um prato copioso para a Sofia Aparício, mas para mim, minhoto de gema, serve-me de aperitivo; o convite deveu-se a uma semana record de volume de negócios, mas sobretudo devido à confirmação da Apple para o Apple Shop in Shop a abrir na Fnac Lausanne em finais de Outubro.

domingo, 2 de setembro de 2007

A feira do 27

Tenho um particular orgulho por ter nascido numa aldeia com feira. Se bem que mensal, a feira do 27, assim baptizada por se realizar todos os 27 do mês, concedia-nos um estatuto superior; depois da Vila, a nossa aldeia era a única do concelho que tinha uma feira. Todos os meses, tinhamos assim direito a um feriado suplementar, pois em dia de feira não se trabalhava. Além do feriado suplementar, tinhamos ainda direito a 5 coroas, e se calhasse num domingo, a mesada duplicava.
Saía de casa com cinco escudos, passava em casa dos meus avós para outros cinco, e por vezes o meu padrinho também contribuía, uma vez deu-me mesmo vinte paus, penso que já tinha emborcado uns copos de jacquez. Com 10 ou 20 paus no bolso e a tarde toda pela frente, a feira do 27 era para nós, entre 1970 e 75, a mesma coisa que hoje o Colombo em fim de semana de salário para os funcionários das finanças de Benfica.
Depois de uma volta pelas tendas de trapos, botando figura com uma gasosa na mão, e uma visita à feira do gado, onde se comprava e vendia vacas, ovelhas, porcos e galinhas, chegava o primeiro momento alto da feira do 27: a visita à rosqueira, para comprar rosquitos e massapães; na tasca ao lado, comprávamos uma caneca de dois litros com duas gasosas, duas cervejas e o resto de vinho tinto. Era-mos quatro ou cinco garotos da mesma idade, refugiávamo-nos num recanto do monte adjacente, comendo e bebendo; depois enquanto um vigiava, partilhava-mos um ou dois cigarritos surripiados ao pai ou irmão mais velho.
Invariavelmente, já no fim da tarde, chegava a vez de uma das atracções mais esperadas : a venda de um remédio miraculoso, vulgo banha da cobra. O vendedor, cujo talento agregava à volta do palco improvisado uma multidão considerável, começava por descrever casos verídicos de pessoas que após ingurgitar a mistela apregoada, tinham expulsado ora pela boca, ora pelo cu, a enorme “bicha”, não de um, não de dois, não de três, mas de cinco, e até! 10metros, e agitava a prova na mão – um frasco com uma coisa amarelada enrolada. A bicha, repetia o vendedor, que pode estar alojada em qualquer um de nós, se não for expulsa, vai-nos comendo as entranhas, crescendo à medida que nós enfezamos. Felizmente, o remédio para expulsar a danada, que, lembrem-se, pode estar dentro de todos nós, existe. E não só existe, como hoje, especialmente para o povo da Valinha, está aqui ao alcance de todos. Por 10 escudos, leva, não uma, não duas, mas três bisnagas. O povo, acotovelando-se, lá se chegava ao palco improvisado para comprar a mistela.
Nós, os miúdos, afastávamo-nos em silêncio. É que a bicha, da forma que nos fora apresentada, assustava; e se tivéssemos uma dentro de nós, já com um metro? Com o correr do tempo, poderia crescer até aos 5 ou dez metros apregoados pelo vendedor. Cada um, regressando a casa, procurava possíveis indícios da existência da bicha, e eram algumas as noites mal dormidas a cogitar no assunto. Alguns dias depois, a situação voltava ao normal, até à próxima feira do 27.

Bad Santa


Este ano, as prendas natalícias são tantas, que teve de se antecipar o natal em Portugal; Em vez do Pai Natal a entrar pelas chaminés no dia 24 de Dezembro, temos o Santa Sócrates e as restantes renas governamentais a entregar computadores com ligação à Internet um pouco por todo o País, durante meses, no que parece ser o orgasmo final do famoso plano tecnológico. Isto é não só ridículo, como obsceno. A Internet é hoje, e cada vez mais, um espaço de entretimento e comercio. Uma grande fatia dos internautas passam o tempo em jogos online, visitas a sítios pornográficos, a descarregar musicas e filmes pirateados, tudo actividades não produtivas ou ilegais. È tudo isto que o nosso governo financia, com a cobertura da imprensa e das elites do nosso país. É preciso ser estúpido para pensar que alguém com trinta ou quarenta anos, pelo facto de ter um computador nas mãos com ligação à Internet, vai de repente tornar-se um cérebro da matemática, física, programação de computadores ou gestão empresarial. A formação faz-se nas escolas, em tempo útil, com professores competentes e meios adequados. É assim em toda a Europa, nunca vi nenhum país a oferecer computadores e ligação internet à borla ou quase. Após a década de noventa, com milhões de euros gastos na formação profissional, num pot pourri de cursos de tapetes de Arraiolos, informática e gestão, poda e tratores, com o resultado que se viu, hoje bis repetita, temos um plano tecnológico e novas oportunidades, cujo resultado não é difícil de adivinhar.