domingo, 20 de janeiro de 2008

As virtudes da tecnologia.

Há anos atrás, quinze ou vinte anos- ok, poderia ter dito no século passado, mas recuso-me a considerar-me assim tão velho, passei um momento de intensa perturbação moral, que por vezes ainda hoje me envergonha. Num autocarro repleto, mas não apinhado (a historia ocorreu na Suíça, não no Porto ou nas Telheiras), num momento de descontrolo, escapou-me um sonoro flato. Evidentemente, toda a gente me identificou como o autor, o que me obrigou a abreviar o trajecto e sair na próxima estação para escapar aos olhares de troça, acusação ou compaixão. Era a época em que toda a gente espiava o vizinho, observando o menor detalhe de indumentaria, o menor defeito físico, enfim, atentos a tudo o que se passava à nossa volta.
Há dias, aconteceu-me o mesmo, mas, virtudes da tecnologia, não precisei de corar nem abreviar a viagem. E que os meus vizinhos de trajecto, todos sem excepção, de iPod cangado nos ouvidos, só se aperceberam do sucedido quando o odor lhes chegou as narinas. E nesse momento, eu saboreei a minha vantagem : não só estava preparado para o odor (sabia que ia feder, pois a quantidade de gás sulfídrico e enxofre do peido era elevada, devido à sopa de cebola do almoço), como poderia acusar qualquer um do feito, bastando dirigir um olhar acusador para a vitima escolhida, sem que alguém me pudesse acusar.
Continuei tranquilamente a viagem, sabendo que poderia, caso a necessidade se fizesse sentir, expelir os gases sem problemas, pois a vizinhança, absorvida entre a musica dos iPod e a composição de SMS, não me poderia incriminar.

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